O problema com o talento: Ambiguidade semântica no ambiente de trabalho
Postado em: Gestão de Pessoas

Organizational Behavior and Human Decision Processes
Autores: Southwick, Liu, Baldwin, Quirk, Ungar, Tsay e Duckworth
Ano de publicação: 2023


Sobre o artigo

O artigo investiga por que a palavra “talento” se tornou tão popular nas organizações e quais são as consequências de usar esse termo para descrever a capacidade dos funcionários.

Os autores argumentam que o termo “talento” é semanticamente ambíguo, ou seja, pode ter significados diferentes para pessoas diferentes.

Por exemplo, algumas pessoas podem entender “talento” como uma habilidade inata e fixa, enquanto outras podem entender “talento” como uma habilidade desenvolvida e maleável. Essas diferenças de interpretação podem afetar a motivação, o desempenho e a tomada de decisão dos funcionários e dos gestores.

Referencial teórico

O artigo se baseia em duas teorias principais: a teoria do mindset e a teoria da sinalização. A teoria do mindset, proposta por Carol Dweck, afirma que as pessoas podem ter dois tipos de mentalidade sobre a sua capacidade: uma mentalidade fixa ou uma mentalidade de crescimento.

A mentalidade fixa é aquela que acredita que a capacidade é algo inato e imutável, enquanto a mentalidade de crescimento é aquela que acredita que a capacidade é algo que pode ser desenvolvido e melhorado com esforço e aprendizado.

A teoria da sinalização, proposta por Michael Spence, afirma que as pessoas usam sinais para transmitir informações sobre si mesmas ou sobre os outros em situações de incerteza ou assimetria de informação. Por exemplo, um diploma universitário pode ser um sinal de inteligência ou competência.

Os autores combinam essas duas teorias para explicar como o termo “talento” pode influenciar as crenças e os comportamentos das pessoas nas organizações. Eles sugerem que o termo “talento” pode ser um sinal ambíguo que pode ativar diferentes mindsets nas pessoas.

Por exemplo, se um gestor chama um funcionário de “talentoso”, ele pode estar querendo elogiar o seu desempenho ou potencial, mas o funcionário pode interpretar isso como uma indicação de que ele já tem uma capacidade fixa e inalterável. Isso pode levar o funcionário a ter uma mentalidade fixa e a evitar desafios ou feedbacks negativos que possam ameaçar a sua imagem de talentoso.

Metodologia da pesquisa

O artigo apresenta cinco estudos empíricos para testar as hipóteses dos autores sobre o efeito do termo “talento” nas organizações.

Os estudos usam diferentes métodos e amostras para aumentar a validade e a generalização dos resultados.

Os métodos incluem questionários online, experimentos de laboratório e análises de dados reais de empresas.

As amostras incluem estudantes universitários, trabalhadores freelancers e funcionários de empresas de tecnologia.

Os estudos medem variáveis como a preferência pelo termo “talento”, as associações implícitas entre “talento” e “habilidade”, o mindset dos participantes sobre a sua própria capacidade ou a dos outros, o desempenho em tarefas cognitivas ou criativas, a motivação intrínseca ou extrínseca para realizar as tarefas, a percepção da cultura organizacional e o nível de confiança e comprometimento com a organização.

Descobertas do artigo

O artigo mostra que o termo “talento” tem um efeito complexo e às vezes contraditório nas organizações. Por um lado, o termo “talento” é amplamente preferido ao termo “recurso humano” e é geralmente visto como positivo e motivador.

Por outro lado, o termo “talento” também pode ativar uma mentalidade fixa nas pessoas e prejudicar o seu desempenho e a sua motivação.

Além disso, o termo “talento” pode criar uma cultura organizacional menos colaborativa, inovadora e íntegra, e reduzir a confiança e o comprometimento dos funcionários com a organização.

As principais descobertas do artigo são:

  • O termo “talento” é preferido por 86% dos participantes em relação ao termo “recurso humano” e é associado a atributos positivos como inteligência, criatividade e sucesso.
  • O termo “talento” é implicitamente associado a uma habilidade inata e fixa por 65% dos participantes, enquanto o termo “habilidade” é implicitamente associado a uma habilidade desenvolvida e maleável por 62% dos participantes.
  • O termo “talento” ativa uma mentalidade fixa nos participantes, fazendo com que eles sejam menos propensos a buscar feedback, mais propensos a desistir de tarefas difíceis e menos propensos a aprender com os erros.
  • O termo “talento” prejudica o desempenho dos participantes em tarefas cognitivas ou criativas, especialmente quando eles recebem feedback negativo ou quando eles são comparados com outros participantes.
  • O termo “talento” reduz a motivação intrínseca dos participantes para realizar as tarefas, fazendo com que eles se sintam menos interessados, satisfeitos e orgulhosos do seu trabalho.
  • O termo “talento” cria uma cultura organizacional menos colaborativa, inovadora e íntegra, fazendo com que os funcionários percebam que a organização valoriza mais a competição do que a cooperação, mais o resultado do que o processo e mais a imagem do que a realidade.
  • O termo “talento” diminui a confiança e o comprometimento dos funcionários com a organização, fazendo com que eles se sintam menos respeitados, apoiados e leais à organização.

Limitações do estudo

O artigo reconhece algumas limitações do estudo que podem afetar a validade e a generalização dos resultados. Algumas dessas limitações são:

  • O uso de amostras não representativas da população geral ou de diferentes contextos organizacionais, como estudantes universitários ou trabalhadores freelancers.
  • O uso de medidas indiretas ou subjetivas de variáveis como mindset, desempenho, motivação, cultura organizacional, confiança e comprometimento.
  • O uso de manipulações experimentais artificiais ou simplificadas do termo “talento”, como um elogio isolado ou uma descrição genérica de um cargo.
  • A falta de controle de variáveis moderadoras ou mediadoras que podem influenciar o efeito do termo “talento”, como a personalidade, o gênero, a idade, a experiência ou o tipo de tarefa.

Conclusões do artigo

O artigo conclui que o termo “talento” tem um lado obscuro que pode trazer problemas para as organizações.

Os autores sugerem que as organizações devem ser mais cuidadosas ao usar esse termo para descrever a capacidade dos funcionários e que devem considerar alternativas mais claras e precisas.

Por exemplo, em vez de usar o termo “talento”, as organizações podem usar termos como “habilidade”, “competência”, “desenvolvimento”, “aprendizado” ou “potencial”.

Esses termos podem transmitir uma mensagem mais consistente e motivadora sobre a capacidade dos funcionários e sobre a cultura organizacional.

O artigo também sugere que as organizações devem promover uma mentalidade de crescimento nos funcionários e nos gestores, fazendo com que eles vejam a capacidade como algo que pode ser desenvolvido e melhorado com esforço e aprendizado.

Isso pode aumentar o desempenho, a motivação, a colaboração, a inovação e a integridade nas organizações.

Na prática

Como profissionais de negócios podem usar os resultados e as lições deste artigo em suas atividades para se aprimorarem como profissionais?

Aqui vão algumas dicas:

  • Evite usar o termo “talento” para se referir à capacidade dos funcionários ou candidatos, pois ele pode ativar uma mentalidade fixa que limita o crescimento e o desenvolvimento pessoal e profissional. Em vez disso, prefira termos como “habilidade”, “competência” ou “desempenho”, que sugerem que a capacidade pode ser desenvolvida com esforço e aprendizado.
  • Reconheça que a capacidade dos funcionários depende não apenas de fatores individuais, mas também de fatores situacionais, como o contexto organizacional, o clima de trabalho, o feedback e o apoio recebidos. Portanto, procure criar um ambiente que favoreça a motivação intrínseca, a colaboração, a inovação e a integridade dos funcionários.
  • Não se baseie apenas em critérios subjetivos ou intuitivos para avaliar ou selecionar funcionários ou candidatos. Em vez disso, use critérios objetivos e mensuráveis que estejam alinhados com as metas e os valores da organização e que reflitam as competências necessárias para o cargo ou função.
  • Invista no desenvolvimento contínuo dos funcionários, oferecendo oportunidades de aprendizado, feedback construtivo e reconhecimento pelo esforço e pela melhoria. Além disso, incentive os funcionários a buscarem desafios e a aprenderem com os erros, em vez de evitá-los ou escondê-los.
  • Cultive uma mentalidade de crescimento em si mesmo e nos outros, acreditando que a capacidade pode ser desenvolvida com esforço e aprendizado. Além disso, valorize não apenas os resultados alcançados, mas também o processo e o progresso realizados.


Leia o artigo completo aqui.

Southwick, D. A., Liu, Z. V., Baldwin, C., Quirk, A. L., Ungar, L. H., Tsay, C.-J., & Duckworth, A. L. (2023). The trouble with talent: Semantic ambiguity in the workplace. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 174, 104223. https://doi.org/10.1016/j.obhdp.2022.104223